Paganismo no Séc. XXI

 


O sacerdócio antigo dedicava-se a manter o padrão para o fortalecer e para que sobrevivesse histórica e religiosamente, seja por escrita e reescrita dos seus mitos, seja na incorporação de manifestações de cultos para as massas,  seja estabelecendo cânones religiosos e teológicos, seja definindo a especificidade da agência de determinada entidade, as características com que se apresenta à humanidade e ao povo que lhe era devoto. Os cânones resultam e ainda hoje quando queremos conhecer determinada entidade procuramos conhecer a sua história mitológica e as manifestações de culto  anteriores.

Hoje, os tempos mudaram o paradigma. Não temos uma ordem sacerdotal dedicada a trabalhar e manter um padrão de culto aos Deuses adorados antigamente. Temos indivíduos que procuram na relação directa e pessoal a experiência com a entidade, e o que acontece frequentemente é que invariavelmente estas experiências, pela natureza introspectiva e projectiva dos estados alterados de consciência, vão revelar muito mais do devoto do que da entidade devotada, Mas quanto desta realidade representará uma real mudança nos processos de devoção? A sensibilidade mental do devoto de há 6 mil anos é a mesma da nossa hoje? Certamente que a mente funcionará da mesma forma, mas com narrativas e conceitos diferentes que o condicionarão mais ou menos nestas experiências com o sagrado a começar com o que o conceito de sagrado representa para a cultura de onde o devoto vem. Então se a psique será a mesma, ainda que os códigos usados para decifrar a experiência humana e transcendente sejam diferentes, então serão os Deuses os mesmos de antigamente mudando os códigos que representam e com os quais se apresentam à humanidade? Se assumirmos que sim, que os Deuses enquanto chaves para  o conhecimento que nos escapa mas que ansiamos por alcançar, então a relação directa que desafia cada devoto a trabalhar a partir de si próprio e das suas ansiedades e conflitos internos é tão legítima hoje como o era há 5 mil anos atrás.

Talvez seja interessante considerar que esta nova abordagem aos Deuses é tão parte integrante da sua  natureza como a percepção de antigamente. Porque ainda que não sejam o mesmo fenómeno, são desencadeadas pelo mesmo fenómeno.  

E da mesma forma que conseguimos observar os anseios coletivos e individuais presentes nos mitos e práticas de culto antigos, faz sentido a continuidade de casar esse padrão às nossas interpretações, reflexões e práticas de culto hoje.

Será polémico dizer que nunca houve uma altura melhor para se ser pagão do que agora? Que não hajam dúvidas de que nunca houve melhor altura sem ser a actual para se ser mulher e pagã no mundo ocidental em que nos movemos.

E não será por acaso que o valor mais prezado pelos Pagãos em Portugal é a liberdade.

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