Politeísmo Suave ou Rigoroso

 


Dois termos que nos vamos habituando a ouvir em conversas sobre Deuses e Deusas são os termos politeísmo rigoroso ou suave (em inglês hard vs soft polytheism). Estes termos assumem que conhecer os nomes e as características ou mesmo faculdades dos Deuses, pode significar ou não o reconhecimento da sua existência autónoma. 

A maior parte das definições do politeísmo suave centra-se nos arquétipos, e os arquétipos são efetivamente um conceito que trabalha com e para o padrão. Mas trabalhar exclusivamente com o arquétipo convida a algumas armadilhas de perceção nomeadamente à ideia confortável e sem espinhos de todos os Deuses serem um Deus Só e Todas as Deusas serem uma Deusa Só, ou que podemos trabalhar com o TODO de uma forma mais fácil. Esta ideia é enganadora simplista, e como todas as que se apresentam simplistas, perdem boa parte do conteúdo no processo e por conteúdo entenda-se o próprio conceito de politeísmo.

Assim como os mitos não podem ser entendidos como elementos independentes, arquétipos não podem ser entendidos de forma independente uma vez que dependem dos mitos para se desenvolver. Na prática, a questão do politeísmo suave ou rigoroso é uma questão teológica, ou seja, ou partimos do princípio que Deuses e Deusas correspondem a entidades com agência própria (agência essa que é a razão de serem entendidos como Deuses em primeiro lugar), ou Deuses e Deusas são entendidos como ideias, como mitos em si e por si só, sem mais poder do que o nosso. E se olharmos para esta dicotomia desta forma, a questão não é ser suave ou rigoroso, é somente SER politeísta ou NÃO SER.

Ou os Deuses são vistos como Theoi em qualidade própria (Deuses em grego: Theoi; Θεοί), ou são vistos como ideias sobre o divino. Atenção que nenhuma das abordagens pode ser considerada superior ou inferior porque ambas partem de perceções e crenças sobre a realidade em que participamos e todas as abordagens devem ser respeitadas por igual especialmente quando o debate das mesmas é feito sem preconceitos ou sombras como chamar politeísmo a uma abordagem que no limite pode tratar-se de ateísmo panteísta ou não deísmo que nada tem de poli sem ser a utilização dos nomes, características e mitos. 

Reforçamos que qualquer uma destas abordagens enquanto caminho espiritual é válida e enriquecedora dentro do seu quadro de significância. Ainda assim, apelamos a que uma reflexão maior seja feita quando é assumido um conceito como o politeísmo, sem desmérito nenhum para quem o é ou não porque o sagrado e o divino nos podem acolher a todos por igual independentemente dos paradigmas em que funcionemos.

Porque ser politeísta é de facto considerar os Deuses como seres autónomos, com vontade e agência, poder e influência dentro das suas esferas. Porque assumir que o politeísmo e o ateísmo são abordagens teológicas e relativas à teologia respetivamente, é assumir o debate dentro do Paganismo sobre teologia e essa oportunidade pode ser muito enriquecedora para os pagãos contemporâneos por nos confrontarmos com as nossas experiências com os Deuses e com as nossas ideias sobre o divino e o que nos leva a reconhecê-las como uma relação teológica/ateológicas por direito. 

E vocês, politeístas? Como é a vossa relação teológica com os Deuses? E vocês não deístas? Como é a vossa relação com as ideias sobre o divino? Como é que nós pagãos nos relacionamos com o Divino?


Referências: 
https://hellenicfaith.com/2017/11/27/hard-polytheism-and-soft-polytheism-a-non-distinction/

https://windintheworldtree.wordpress.com/2020/12/10/polytheism-and-interpretatio/

Photo by Tina-Xinia on Unsplash

2 comentários:

Junior Teodoro disse...

Bom dia, conheci seu blog através do blog Under the ancients oaks de John Becket, sou Junior Teodoro, lembra? Como você me pediu um feedback aqui vai com muito prazer: Por enquanto li apenas esse artigo, o qual é excelente! Peço que não pare de escrever, é muito importante falar sobre o tema do politeísmo devocional em português, precisamos também reconstruir a teologia pagã/politeísta,creio que as fontes são praticamente inexistentes, essa é a primeira vez que vejo algo à respeito no idioma citado acima,e de muita qualidade como disse, eu mesmo sou devoto de Morrigan, e a vejo como uma pessoa com vontade própria, poder e tudo mais que é compatível com um ser autônomo e independente, creio que os deuses todos são assim,mas aceito e abraço pessoas com outras abordagens, assim como você disse, sem demérito das mesmas. Se estiver interessada dê uma olhada nesses materiais https://www.corupriesthood.com/blog/ e https://www.bansheearts.com/blog, ambos de Morpheus Ravenna sacerdotisa de Morrigan,embora você seja focada em Inanna me parece, creio que você gostará dos escritos de Morpheus pois há muita coisa sobre o politeismo devocional entre outros temas, nos próximos dias lerei mais no seu blog, pois pelo jeito vou gostar do mesmo, agora uma pergunta, você assim como eu vive no Brasil pois seu português é brasileiro não é mesmo?

Alva Möre disse...

É tão bom receber o seu feedback Junior Teodoro! Vou ter todo o gosto em ver as referências da Sacerdotisa de Morrigan Morpheus Ravenna, que não conhecia, mas que são um recurso valioso uma vez que tratam desta temática tão carente de discussão na comunidade pagã. O meu foco em Inanna leva me precisamente a sentir esta necessidade geral uma vez que como "tenda" que reúne tantos caminhos, o Paganismo precisa de definir uma abordagem às teologias. Eu sou portuguesa mas leio muito sobre o que é feito dentro das comunidades pagãs internacionais anglófonas e lusófonas, e isso deve influenciar o meu português.

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