Gnose Inverificável Pagã


A Gnose Inverificável (ou Revelação Inverificada seja Pessoal ou Partilhada) é parte da realidade do Paganismo por mais anticorpos que estas expressões possam despertar. E, na verdade, não há motivo algum para serem expressões que retirem validade à experiência pagã / no Paganismo.
Senão vejamos, a revelação inverificada (em inglês Unverified [Personal/Shared] Gnosis - UPG ou USG) refere-se a toda as crenças espirituais, verdades ou revelações experienciadas ou adquiridas por um indivíduo ou vários que se baseiam em experiências pessoais e que são diferentes ou não existem de todo nos cânones aceites das tradições em cima das quais são retiradas. O termo é usado com frequência em grupos reconstrucionistas para distinguir as crenças e práticas de um indivíduo baseadas na sua experiência pessoal, das crenças e práticas baseadas em mitos, folclore, ou evidências arqueológicas. A gnose pessoal inverificável pode manifestar-se sob a forma de "feeling", intuição, instinto, gesto "espontâneo", algo que "de repente fez sentido", uma mensagem recebida de alguma forma através de sonho ou visão. Para os reconstrucionistas as fontes de referência primária de liturgia e cosmogonia tendem a ser retiradas das obras escritas que sobreviveram até aos nossos dias como poemas épicos, discussões filosóficas, vários documentos históricos e contas etnográficas, bem como de evidências retiradas por arqueólogos e historiadores. A gnose pessoal inverificável pode preencher ausências de entendimento/conhecimento que as referências verificadas deixam por compreender mas convém reconhecer esta ferramenta com todo o seu potencial e limitações. O termo gnose partilhada inverificável é aplicável quando várias pessoas chegam à mesma conclusão de forma independente seja através de dedução lógica, o "fez sentido", uma visão, sonho ou outra mensagem recebida de modo sensorial ou extra sensorial. 

Expressões derivadas da Gnose Espiritual:

Gnose - Gnose ou Gnosis (do Γνωσις gnosis: 'conhecimento superior, 'conhecimento interno') é um estado mental específico, que permite o contato com outros planos não físicos, como o plano etérico e o plano astral (ou espiritual), que pode ser alcançado por métodos de transe, assim como meditação ou privação de sentidos, além de métodos de hiper-excitação, que pode ser utilizado para realizar reflexões filosóficas, ou rituais mágicos e religiosos.

Gnose/Revelação Pessoal Inverificável - Informação e conhecimento que chega ao indivíduo através de meios que não não permitem uma confirmação objetiva. Este conhecimento pode ser aprendido em sonhos, em transe, em trabalhos de adivinhação ou mensagens intuitivas espontâneas, normalmente (mas não exclusivamente) em contexto de culto ou estudo. Não é algo que se inventa ou algo que se ache ser verdade. É algo que se acredita verdadeiro porque se confia na fonte de onde esse conhecimento veio e mesmo que não consiga ser "comprovado" é mais verdadeiro para quem recebeu a mensagem do que para outra pessoa.

Gnose/Revelação Partilhada Inverificável -  Se múltiplas pessoas receberam a mesma mensagem, então estamos perante um fenómeno de Gnose Partilhada (ou Colectiva) Inverificável. Na prática é uma Gnose Pessoal Inverificável que foi recebida num momento e confirmada por outras pessoas independentes posteriormente que corroboram com a informação revelada.

Epifania - Do latim tardio epiphanīa, que veio por sua vez do grego ἐπιϕάνεια, de ἐπιϕανής, "visível", derivado de ἐπιϕαίνομαι, "aparecer") é um sentimento que expressa uma súbita sensação de entendimento ou compreensão da essência de algo. Em contexto de gnose religiosa, é o conhecimento religioso recebido de uma fonte divina. Uma Gnose Pessoal Inverificável pode ser uma Epifania que por sua vez é sempre inverificável também. 

Teofania - É um conceito de cunho teológico e é etimologicamente enraizado na língua grega: "theopháneia" ou "theophanía". Significa a manifestação do Divino em algum lugar, coisa ou pessoa. Em contexto de gnose no Paganismo é um momento em que os Deuses se manifestam a si próprios. Uma epifania pode ser teofânica e toda a teofania é uma revelação não verificada

Tradição Espiritual/Religiosa - Se pessoas suficientes receberam a mesma mensagem e a aceitaram como válida e legítima ela passará a fazer parte do cânone da tradição. Todos os elementos sobrenaturais de todas as religiões começaram por ser uma revelação inverificada pessoal e partilhada. Note-se, no entanto, que este processo não é instantâneo e normalmente depende de uma integração orgânica  que pode demorar gerações a estabelecer-se em legitimidade na tradição.

Gnose/Revelação Verificada - Revelação recebida e corroborada por fontes e referências tidas como canónicas (ou reconhecida posteriormente depois de vingar como revelação inverificada partilhada válida). Essencialmente, quando alguém recebe uma epifania e posteriormente (com o devido estudo e procura de referências) descobre que é corroborada pelas fontes da tradição.

Vale a pena reforçar a ideia que o Paganismo é uma religião viva, assim como os Deuses são vivos. Esta característica no Paganismo leva-nos à realidade da comunicação entre Deuses e Humanidade e à sua participação ativa nas vidas de quem se relaciona com Eles. Porque a comunicação entre Humanidade e Deuses não existe só da primeira para os segundos, nós recebemos mensagens, sinais (e até recados), e assim como nos respondem às nossas oferendas, invocações e preces, também nos visitam em sonhos e visões,

E agora alguém poderá perguntar de forma legítima "Então e se a minha revelação inverificada contrariar todas as evidências da tradição?", aqui não há outra coisa a fazer que não assumir um dilema. Será que a tradição, que resulta de um somar de gerações de epifanias, está errada? Ou poderá a fonte dessa revelação específica estar a induzir a uma interpretação dúbia de forma intencional (seja ela qual for)?  Os cânones tradicionais poderão ter falhas (que as terão sempre) e a cristianização de muito conteúdo antigo pode condicionar textos e contextos, logo, tudo tem de ser medido e pesado perante a visão da tradição e como a epifania vai encaixar nela.

No final do dia cabe exclusivamente a cada um a decisão de acreditar na sua revelação. Ninguém tem a obrigação de acreditar no que lhe foi revelado nem no que foi revelado a outra pessoa porque a nossa perceção de verdade pertence ao nosso plano e no plano dos Deuses as coisas não são da mesma forma. E já agora, Ninguém tem a obrigação de se devotar a uma entidade que se revele numa epifania ou noutra ocasião. A escolha continua a ser nossa entre quem escolhemos acreditar e confiar (e esta regra é válida para todos os planos!). Se de facto uma revelação contradizer os cânones tradicionais vigentes, ela vai se manter uma revelação, apenas inverificada. Nós podemos não controlar as revelações que nos tocam, e elas manter-se-ão revelações ainda que inverificadas, mas temos controlo sobre o que fazer com elas, e agir ou não sobre é nosso para assumir.


Referências: 
https://wildhunt.org/2019/03/column-in-defense-of-unverified-personal-gnosis.html https://witchipedia.com/glossary/unverified-personal-gnosis/ https://www.patheos.com/blogs/johnbeckett/2019/03/upg-why-unverified-personal-gnosis-is-good-and-necessary.html
https://windintheworldtree.wordpress.com/2019/09/14/unverified-personal-gnosis-upg/


2 comentários:

Junior Teodoro disse...

Muito bem explicado, nunca tinha lido um texto tão bom sobre esse tema em português,na duvida sobre os casos onde a revelação não está de acordo com as fontes conhecidas, folclore etc. creio que um método de divinação talvez possa ajudar a clarificar as coisas você não acha?

Alva Möre disse...

Sem dúvida! Os métodos oraculares são uma mais valia em contexto de gnose, quer por serem um bom canal de revelações como por permitirem um "diálogo" entre esse conhecimento e as nossas perceções. Claramente um bom tema para um próximo texto ;) Gratidão Junior Teodoro *

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